COMPLEMENTARIDADE > Evidência Qualquer sinal físico, i.e. a perturbação de uma quantidade observável que se propaga no espaço e no tempo, pode ser decomposto em ondas. Exemplos familiares são as ondas sonoras e as ondas na água, a primeira associada com o movimento do gradiente de pressão do ar, e a última sendo associada com a variação do nível de água. A luz é associada a uma oscilação do campo eletromagnético, que pode ser detectada pelo sistema óptico humano. Note que no caso da luz não existe nada material que oscila : apenas uma quantidade mensurável fisicamente (o campo) que muda seu valor no tempo.

Desde que suas amplitudes sejam pequenas, duas ondas na mesma localização física não interagem entre si. Isso implica que quando duas ou mais ondas estão sobrepostas entre si, o deslocamento resultante da onda é simplesmente a soma algébrica dos deslocamentos das ondas individuais. Já que esses deslocamentos podem ser negativos ou positivos, o deslocamento da onda resultante pode ser ou maior ou menor que os deslocamentos das ondas individuais. O primeiro caso é chamado de interferência construtiva, enquanto o segundo é chamado de interferência destrutiva. A interferência entre duas ondas iguais pode ser construtiva em um dado ponto do espaço e destrutiva em outro, dependendo de suas relações de fase nestes dois pontos (ver figura 1). Assim, a amplitude do sinal varia como uma função da posição no espaço, mostrando um padrão xadrez que é a assinatura da interferência.

A onda verde resulta da sobreposição das ondas azul e vermelha no ponto 0 (as ondas são representadas aqui como função do tempo). Se as ondas azul e vermelha oscilam em fase ('cristas'  sobrepostas), a interferência é construtiva e o sinal em zero é reforçado (gráfico de cima); se elas oscilam em oposição  ('vales' azuis sobrepostos às 'cristas' vermelhas), a interferência é destrutiva e nenhum sinal é observado em 0 (gráfico de baixo).

Figura 1. A onda verde resulta da sobreposição das ondas azul e vermelha no ponto 0 (as ondas são representadas aqui como função do tempo). Se as ondas azul e vermelha oscilam em fase ('cristas' sobrepostas), a interferência é construtiva e o sinal em zero é reforçado (gráfico de cima); se elas oscilam em oposição ('vales' azuis sobrepostos às 'cristas' vermelhas), a interferência é destrutiva e nenhum sinal é observado em 0 (gráfico de baixo).

Para comparar o comportamento de partículas e ondas nós devemos analisar um interferômetro de dupla-fenda. O diagrama da montagem, que é baseada em um experimento desenvolvido por Thomas Young há mais de duzentos anos atrás, está mostrado na figura 3. Suponha primeiro que nós temos uma arma atirando uma rajada de balas. As balas têm que atravessar um filtro com duas fendas verticais para atingir a placa de detecção. A figura 5 mostra a distribuição das balas detectadas como função da longitude x na placa de detecção, para arranjos diferentes. (Por causa das simetrias do problema, x é a única coordenada relevante.) A curva vermelha se refere a uma configuração na qual somente a fenda 1 está aberta enquanto a fenda 2 está bloqueada. A curva azul se refere, por sua vez, à configuração na qual a fenda 2 está aberta e a fenda 1 bloqueada. A curva verde A é a distribuição observada quando ambas as fendas estão abertas. Como se esperaria baseado em estatística elementar, a curva verde A é apenas a soma (ponderada) das curvas azul e vermelha.
Experimento de dupla fenda com balas. Nenhum padrão de interferência é observado.

Figure 2. Experimento de dupla fenda com balas. Nenhum padrão de interferência é observado.

Nós agora repetimos o mesmo experimento após substituir a arma por uma fonte de luz monocromática. Ao invés do número de balas, nós medimos a intensidade da luz. Assumindo que os parâmetros relevantes estão adequadamente ajustados, a distribuição de intensidade quando as duas fendas estão abertas mostra franjas de interferência, i.e. máximos e mínimos alternados. Ao contrário do experimento com balas, aqui a distribuição da intensidade total (curva verde B) não pode ser tomada como a sombra algébrica de contribuições independentes vindo de cada uma das fendas (curvas azul e vermelha). Esse resultado pode ser facilmente compreendido levando em consideração a natureza ondulatória da luz e admitindo que a onda emitida pela fonte é dividida em duas ondas secundárias. Dependendo de suas relações de fase em cada ponto da placa de detecção, as duas ondas se somam construtivamente ou destrutivamente, dando origem aos máximos e mínimos alternados na intensidade medida. As figuras 2 e 3 mostram os comportamentos típicos de partículas clássicas (balas) e ondas clássicas em um experimento de dupla-fenda.

Figura 3. Experimento de dupla fenda com ondas. As duas fendas criam uma diferença de fase que faz as duas ondas interferirem entre si. Franjas brilhantes são observadas nos lugares nos quais a interferência é construtiva, e franjas escuras onde a interferência é destrutiva.

Figura 3. Experimento de dupla fenda com ondas. As duas fendas criam uma diferença de fase que faz as duas ondas interferirem entre si. Franjas brilhantes são observadas nos lugares nos quais a interferência é construtiva, e franjas escuras onde a interferência é destrutiva.

Chegamos então aos átomos. Se o mesmo tipo de experimento for realizado usando um feixe atômico, o resultado não é o mesmo que obtemos com balas; ao contrário, a distribuição dos átomos detectados na placa de detecção mostra franjas de interferência, como no caso da luz (figura 3)!

Seria possível concluir que isso se deve porque os átomos, de fato, são ondas. O problema com essa conclusão é que, independentemente da técnica de detecção empregada, nós sempre detectamos pontos individuais, bem localizados, assim como no caso de balas. De fato, apenas quando um conjunto de átomos foi registrado que as, franjas de interferência se tornam aparentes: franjas ‘brilhantes’ onde muitos átomos individuais atingiram e franjas ‘escuras’ onde nenhum átomo foi registrado (ver figura 6). Todo o processo parece como se o comportamento estatístico dos átomos fosse governado por alguma lei do tipo ondulatória (ver origens).

As quatro curvas representam a probabilidade de detectar uma partícula no ponto x. A distribuição vermelha (azul) é observada tanto em partículas e em ondas quando apenas a fenda 1(2) é deixada aberta enquanto a fenda 2(1) é bloqueada (ver Incerteza). A distribuição verde A é observada com partículas clássicas quando ambas as fendas estão abertas. As franjas de interferência B são observadas com partículas quânticas e ondas quando ambas as fendas estão abertas.

Figura 4. As quatro curvas representam a probabilidade de detectar uma partícula no ponto x. A distribuição vermelha (azul) é observada tanto em partículas e em ondas quando apenas a fenda 1(2) é deixada aberta enquanto a fenda 2(1) é bloqueada (ver Incerteza). A distribuição verde A é observada com partículas clássicas quando ambas as fendas estão abertas. As franjas de interferência B são observadas com partículas quânticas e ondas quando ambas as fendas estão abertas.

Vale a pena considerar mais uma variação deste experimento. Vamos supor que nossos átomos estejam excitados . Isso significa que é provável que eles decaiam para um nível de energia menor emitindo um fóton. Assumindo ainda que é bem provável que o fóton seja emitido exatamente enquanto o átomo está passando pelo filtro. Em princípio, o aparato pode ser equipado com um detector de fótons permitindo identificar de qual fenda o fóton emitido vem. Isso significa que o próprio fato de utilizar átomos excitados nos coloca numa posição de distinguir (ao menos em princípio) por qual fenda o átomo passou. Note que essa informação é essencialmente incompatível com o modelo que associa duas ondas secundárias (uma para cada fenda) para cada átomo. Surpreendentemente, quando um conjunto de átomos é registrado sob essas condições experimentais, franjas de interferência não são observadas, e a distribuição uniforme observada com balas (figura 4A) é recuperada. Isso acontece mesmo se o fóton não é detectado. Podemos assumir ainda que o detector de fótons não está nem mesmo posicionado. Nós ficamos com a impressão de que a possibilidade de monitorar o caminho dos átomos os força a se comportar como partículas clássicas (ver origens para discussão mais detalhada).
O padrão de interferência desaparece se a informação correlacionada com o caminho da partícula é disseminada no meio ambiente.

Figura 5. O padrão de interferência desaparece se a informação correlacionada com o caminho da partícula é disseminada no meio ambiente.

Historicamente, a natureza corpuscular se torna aparente antes da implementação dos experimentos de difração com partículas. No começo do século XX, a descoberta do efeito fotoelétrico e do efeito Compton mostrou que, sob algumas circunstâncias, fótons e elétrons se espalham num choque da mesma forma que bolas de bilhar. Hoje em dia, fótons únicos podem ser armazenados em cavidades supercondutoras e manipulados por meio de átomos individuais, enfatizando à vontade ou a natureza ondulatória ou a corpuscular da luz.