COMPLEMENTARIDADE Uma das características mais surpreendentes do mundo quântico é a chamada ‘dualidade onda partícula’, i.e. o fato de sistemas físicos microscópicos parecem se comportar ou como corpos massivos ou como uma onda, dependendo do contexto experimental no qual eles são observados. Dessa forma, por exemplo, traços do tipo trajetórias observados em uma câmara de bolhas são naturalmente relacionados a partículas materiais que ocupam a todo momento uma pequena região do espaço e espalham-se mutuamente quando entram em contato. Por outro lado, as mesmas partículas apresentam o comportamento ondulatório quando enviadas através de um interferômetro (ver evidência experimental). Neste caso, elas apresentam-se como se fossem completamente deslocalizadas (o que permite que se use as noções de comprimento de onda e frequência neste contexto).

Essa situação foi expressada nos seguintes termos por Niels Bohr, o patriarca da Escola de Copenhague: ‘Como uma descrição de microentidades e microprocessos, nem uma descrição do tipo partícula, nem uma descrição do tipo onda é completamente adequada. Entre si, porém, elas formam uma descrição completa, complementar ’. A ‘natureza corpuscular’ da luz não era uma nova hipótese na física (ela havia sido popular durante a Idade Média e posteriormente foi defendida por Newton). Entretanto, foi Max Planck quem, em 1900, demonstrou seu papel essencial na análise da interação entre matéria e radiação. Seguindo o trabalho de Planck (o qual pode ser considerado o marco de nascimento da física quântica), Einstein sugeriu que a energia eletromagnética é carregada por entidades corpusculares sem massa: os fótons.

Dada uma onda eletromagnética plana de frequência ν e comprimento de onda λ, os fótons associados têm energia E=hν (h sendo a constante de Planck) e momentum p=h/λ (paralelo ao vetor de propagação da onda, ver origens). Influenciado pelas idéias de Einstein e pelo seu trabalho sobre a equivalência entre massa e energia, Louis de Broglie postulou relações similares também para partículas materiais. Se a luz tinha um aspecto corpuscular, partículas materiais tinham um aspecto ondulatório.

O passo seguinte foi o reconhecimento (devido em particular a Max Born) da natureza estatística das ‘ondas de matérias’. De acordo com a interpretação probabilística da função de onda, os padrões ondulatórios referem-se à probabilidade de detectar uma partícula dentro de uma determinada região do espaço. Desta forma, é necessário processar um conjunto de partículas a fim de se observar franjas de interferência. Estas franjas de interferência refletem um comportamento geral das distribuições de probabilidade associadas aos resultados possíveis das observáveis quânticas. Elas são as manifestações empíricas no espaço ordinário da sobreposição dos estados quânticos que ocorrem no espaço de Hilbert abstrato.

A necessidade de empregar imagens ‘complementares’ na descrição dos fenômenos quânticos está ligada à existência de observáveis incompatíveis e à impossibilidade de derivar os dados empíricos a partir de um modelo determinístico concebido em termos de objetos e propriedades clássicas. Conceitos como o de corpo material estão tão enraizados em nossa linguagem comum que dificilmente podem ser evitados na descrição dos fenômenos e das condições nas quais eles ocorrem. No entanto, não existe nenhuma garantia a priori de que o conjunto dos resultados observados pode ser levado a refletir um mundo concebido em termos de tais conceitos. De fato, a teoria quântica não parece fornecer um modelo pictórico do mundo, mas sim uma ferramenta formal eficiente para prever os resultados de medidas realizadas em qualquer contexto experimental específico . De acordo com Bohr, uma descrição não ambígua e objetiva de fenômenos quânticos apenas pode ser feita utilizando imagens ‘clássicas’ para o mesmo sistema observado sob condições diferentes. (Ver implicações para discussão adicional.)